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sábado, 20 de abril de 2024

As polêmicas medidas para reduzir número de cesarianas

2019-03-06 12:02:00

Médicos e pesquisadores têm alertado há tempos sobre o alarmante crescimento no número de cesáreas no mundo todo. Entre os países onde o procedimento é mais realizado, apenas um conseguiu reverter a tendência: a China.

"A China conseguiu reduzir o crescimento da taxa de cesáreas, enquanto outros países, como o Brasil, não tiveram sucesso nesse quesito", afirma Susan Hellerstein, professora da Universidade de Harvard que publicou um estudo analisando mais de 100 milhões de nascimentos na China em parceria com a Universidade de Pequim.

O Brasil tem a segunda maior taxa de cesáreas do mundo, com 55,5% dos nascimentos sendo realizados dessa forma.

Há menos de uma década, a Organização Mundial de Saúde (OMS) criticou a China por ter também uma das maiores taxas de cesárea do mundo. Desde então, a situação mudou muito.

Embora a taxa no país continue crescendo, o ritmo do aumento está decrescendo e, segundo pesquisadores, o país caminha para reverter a alta nos procedimentos do tip.

A forma como isso tem sido feito, no entanto, gera preocupações.

Parte do sucesso se deve a uma melhora nos cuidados com a gravidez e com o parto e a uma "cultura do bem estar" entre a classe média urbana chinesa. No entanto, outro fator chave é a punição para hospitais com cesáreas demais, o que alguns críticos afirmam que tem gerado violência contra mulheres: muitas delas não têm realmente a liberdade para escolher como dar à luz.

Um estudo da Universidade da Pensilvânia feito em 2016 pela pesquisadora Eileen Wang apontou casos de violência obstétrica que visavam a impedir que as mães escolhessem essa forma de parto.

"Por que você diz isso agora quando está tendo contrações? Você já tem 4 cm de dilatação. Uma cesárea seria ruim para você e para o bebê. Não pode fazer uma", disse uma enfermeira a uma mãe que implorava por uma cesárea, segundo o estudo.

Poder estatal

Mas qual o problema no alto número de cesáreas?

Em muitas ocasiões, é um procedimento que salva vidas – se um bebê está numa posição ruim no útero ou o trabalho de parto não está indo como esperado, por exemplo.

Mas também tem muitos riscos e, como qualquer outra cirurgia de grande porte, precisa de um tempo para recuperação.

"Cesarianas causam uma recuperação mais complicada para a mãe e provocam cicatrizes no útero, o que está associado a sangramentos, crescimento anormal da placenta, gravidez ectópica (quando o bebê se forma fora do útero), natimortos e partos antes da hora nas gestações seguintes", afirma Jane Sandall, professora da área de saúde da mulher na faculdade King's College, em Londres.

Por isso, a OMS aconselha que a cesária esteja disponível para os casos em que há necessidade, mas que não seja feita a não ser por necessidades médicas.

A tendência de aumento na China se reverteu em praticamente uma geração. Para tentar entender como isso foi possível, pesquisadores observaram os efeitos de vários tipos de mudanças sociais, desde o aumento da cultura do bem-estar até o impacto da política do filho único.

Um fator se destacou como sendo decisivo: o poder do Estado.

A burocracia estatal Chinesa entrou em ação em 2001, quando a Comissão Nacional de Saúde e Planificação Familiar determinou que reduzir a taxa de cesáreas – que era de 46% na época, segundo a OMS – era um prioridade nacional em seu plano de ação de 10 anos.

Desde então, aulas de parto natural e amamentação são obrigatórias para médicos e pessoas que trabalham com parto.

Mas a estratégia que fez grande diferença na china foi quando os hospitais passaram a ser considerados diretamente responsáveis por suas taxas de cesáreas.

"Os hospitais são comparados uns com os outros e recebem multas se não alcançam seus objetivos", diz Liangkun Ma, obstetra-chefe de um dos principais hospitais de Pequim.

Outras sanções incluem a diminuição de subsídios estatais ao hospital e, em última instância, a anulação das licenças de funcionamento. Em 2012, os hospitais com as taxas de cesárea mais altas da Província de Hubei receberam um comunicado do governo de que seriam fechados e "reformados".

Segundo Ana Pilar Betrán, médica da OMS que estuda intervenções para reduzir cesáreas no mundo todo, não há nenhum outro país onde os provedores de saúde sejam penalizados por taxas altas de cesáreas.

A única nação com uma política parecida é Portugal, mas o sistema funciona ao contrário: os hospitais são recompensados por terem taxas mais baixas.

Betrán afirma que estabelecer objetivos ambiciosos e punir os hospitais é um caminho perigoso.

"Uma taxa pura e simples não diz se as mulheres que precisam de cesárea estão tendo acesso a ela", afirma.

Mesmo em países onde as taxas de cesáreas são altas, há mulheres morrendo por não terem acesso à cirurgia. No Peru, por exemplo, onde metade das mulheres ricas fazem parto por cesárea, apenas 5% das mulheres pobres conseguem fazer o procedimento – segundo a OMS, a taxa de cesáreas necessárias por motivos médicos costuma ser entre 10% e 15% dos partos.

Além disso, estudos apontam que as políticas chinesas tiraram das mães o poder de decidir como dar à luz.

"Uma parte dessa política é exclusiva do governo chinês e é algo que preocuparia muito no Ocidente: ela permite que os médicos decidam o que fazer mesmo contra a vontade da mulheres", afirma Carine Ronsmans, coautora de um estudo publicado em 2018 na revista científica British Medical Journal.

Em um caso que foi muito divulgado pela imprensa chinesa no ano passado, uma grávida, Ma Rongrong, se jogou pela janela do hospital depois que a instituição se negou a realizar uma cesárea. Recentemente, um homem foi detido por atacar um profissonal de saúde que se negava a fazer uma cesárea em sua mulher.

O auge da cultura do bem-estar

Mas nem tudo está ligado ao clima de medo e punições. As mulheres da classe médica chinesas também têm seu papel nessa mudança, incentivadas pelo Estado a tomar decisões positivas.

A chinesa Daisy Lan diz que assim que ficou sabendo que estava grávida pela primeira vez, se informou muito e concluiu que um parto natural era melhor para ela e para seu bebê.

Suas amigas que já tinham filhos, no entanto, tinham tomado uma decisão diferente.

"Algumas fizeram cesáreas porque tinham medo da dor do parto. Mas as coisas são diferentes agora", diz Lan.

"As mães chinesas querem uma qualidade de vida melhor, e isso significa uma vida mais saudável e maior conscientização do que é bom para elas", diz Liangkun Ma.

"É esse mesmo desejo de viver de maneira mais saudável que leva os pais a buscar ativamente mais informações sobre o parto e aumenta a conscientização sobre os riscos da cesárea."

De acordo com um estudo entre mais de 100 milhões de nascimentos na China publicado em 2017 na revista científica Journal of the American Medical Association, as mães estão evitando o bisturi principalmente nas grandes cidades.

Nas regiões rurais, acontece o contrário: a melhora nas instalações hospitalares e preços mais acessíveis estão levando a um aumento de cirurgias no parto.

Mas em algumas regiões mais pobres a taxa permanece tão baixa que há a preocupação sobre a falta de acesso a cuidados médicos durante o parto para mulheres que necessitam do procedimento.

A população chinesa foi controlada pelo Estado durante anos, e faz pouco tempo que o país aboliu a política do filho único. No entanto, ainda não há evidências científicas sobre o efeito dessa enorme mudança social na questão do parto.

Índices e realidade

Para Ana Pilar Beltrán, da OMS, a preocupação concentrada na taxa de cesárea desvia a atenção do principal objetivo, que é prover o melhor cuidado possível para mãe e bebê.

Os países escandivanos que mantêm consistentemente baixas taxas de cesárea têm esse resultado porque se preocupam em prover um cuidado de qualidade, não por políticas específicas para reduzir índices, diz Beltrán.

Muitos argumentam que a verdadeira chave para controlar a crescente taxa de cesáreas é convencer as mães que tenham um parto natural.

"É preciso ter cuidado para não perder a perspectiva", diz Beltrán.

"O que acontece quando uma mulher necessita ou quer uma cesárea por motivos psicológicos e, neste ambiente de obsessão com índices, não disponibilizam o procedimento?"

Daisy Lan não foi forçada a ter um parto natural, no entanto, diz que realmente nunca teve uma opção.

"Minhas amigas me parabenizaram pela escolha do parto natural. Mas (a verdade é que) elas tiveram opção. Agora é diferente", diz.

 

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