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Amambai
sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Eu me arrependi! – Por Almir Farias da Cunha

A minha primeira professora de francês, foi a mademoiselle Eline, na UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Isso já faz muito tempo! Em um dia letivo eu tomei coragem e mostrei-lhe uma coletânea de poesias de minha autoria. E pedi a ela que lesse, quando tivesse um tempinho, e que, se fosse possível, escolhesse uma e a traduzisse para o francês. Para a minha surpresa, ao término da aula seguinte ela me chamou e mostrou-me um pequeno calhamaço de papéis com todas as minhas poesias traduzidas pra o francês. Ela me disse: “Almir! C’est magnifique ! Elles sont très jolies les poèmes ! Bravo !”.

Nossa! O meu coração quase explodiu de felicidade! Mas ela disse que só me daria as traduções mediante uma condição, a de que eu escolhesse a minha preferida e a recitasse em português e francês para toda a turma. Ai, ai, ai, ai, ai ! Tremi nas bases! hehehehe. Porque naquela época, apesar da intimidade em falar em público, vinda da minha militância no movimento socialista, tudo o que eu sabia em francês era: “Bonjour”, “boné”, “ateliê”, “fricassê”. “crochê”. E também porque os discentes eram professores, jornalistas, médicos e até algumas pessoas simples do povo, como eu. Mas tomei uma coragem, vinda talvez de “mes ancêtres galois, d’autres viés” e pronto! Aceitei!

Passei o final de semana treinando. Na aula seguinte, tremi mais que vara verde, quando la gentille professeur Eline, anunciou: “Attention s’il vous plaît ! O Almir tem uma surprise pour vous!”

Agora era tarde! Não tinha mais como recuar. Levantei-me lentamente e recitei uma poesia que falava de Asas, de amor, de Virgílio e Beatriz de Dante Alighieri. Primeiro, em francês, e depois, em português. Quando eu terminei todos me aplaudiram e alguns vieram me abraçar. Quase chorei!

Aquele semestre letivo de francês, da UFMS, já estava no fim, quando a Eline me pediu autorização para mostrar minhas poesias para os demais professores da universidade, pois, ela acreditava que seria possível publicar um livro. Mas, ela estava de partida para passar uma temporada em uma país de língua francesa, que eu não me lembro qual, e que quando voltasse me procuraria para fazermos um projeto. Acadêmicos gostam de projetos. Hehehehe.

Mas, o tempo passou, e certa vez, relendo aqueles versos eu os achei tão tolos. E… infelizmente… eu os rasguei! Desculpem-me! Eu lamento muito! Hoje eu dia eu sei porque eu fiz isso. Fiz porque por um breve instante da minha vida, um breve instante de racionalismo, eu matei um poeta. Matei o poeta Almir! Matei a poesia, que caracterizava a minha essência! Havia desaprendido que poesia não respeita gramática, não respeita semântica, não respeita convenções. Todos nós somos poetas. Não na dimensão de um Drummond, de um Mario Quintana, de um Manoel de Barros, de um Emmanuel Marinho, porque estes são gênios. Não temos o direito de nos matar poetas. Não temos o direito de matar nossas tolices e paixões. Je suis désolée! Me arrependi muito! Todavia, aprendi também que, enquanto houver vida, haverá poesia! Merci beacoup professeur Eline. Onde você estiver, merci beaucoup!

Almir Farias da Cunha
Servidor Público Municipal
em Amambai/MS
22.11.24

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