As despesas com juros superaram os gastos juntos, em 2023, dos Ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento e Assistência Social — responsável pelo Bolsa Família.
Os números, que incluem o pagamento de servidores de cada ministério, foram obtidos no Painel do Orçamento, alimentado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, e também nas estatísticas das contas públicas divulgadas pelo Banco Central.
Segundo informações oficiais, as despesas pagas pelo Ministério da Saúde somaram R$ 170,26 bilhões no ano passado, enquanto aquelas dos Ministérios da Educação e do Desenvolvimento Social, respectivamente, totalizaram R$ 142,57 bilhões e R$ 265,291 bilhões. Um total de R$ 578,13 bilhões.
As despesas com juros da dívida pública do Governo Central somaram R$ 614,55 bilhões em 2023, contra R$ 503 bilhões em 2022. Elas perderam apenas para o Ministério da Previdência Social – responsável pelo pagamento dos benefícios de aposentados, pensionistas e de programas sociais, como o BPC, que totalizaram R$ 861,6 bilhões no último ano.
GASTOS EM 2023
EM R$ BILHÕES861,56861,56578,13578,13614,55614,55PREVIDÊNCIASAÚDE, EDUCAÇÃO E…JUROS DA DÍVIDA P…01000250500750
PREVIDÊNCIA
861,56
Fonte: MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E BANCO CENTRAL
- Os gastos com juros estão no orçamento financeiro, que é diferente do orçamento dos ministérios (primário). Apesar disso, ambas as despesas, primárias e financeiras, têm impacto na dívida pública.
- O endividamento do setor público, que voltou a subir em 2023 após dois anos de queda, é um indicador acompanhado com atenção pelo mercado financeiro e por investidores, pois traz indicativos sobre a capacidade de pagamento dos países.
- Se a dívida começa a ficar fora de controle, os investidores podem cobrar juros mais altos na compra de títulos públicos. Com a queda da Selic e a redução dos gastos com juros, há uma dinâmica melhor para o endividamento brasileiro.
- Para tentar conter a dívida pública no médio e longo prazos, o governo busca conter as despesas orçamentárias. Para isso, a nova regra fiscal, aprovada em 2023, determinou que os gastos só podem crescer 70% do aumento da arrecadação, e foi fixada uma meta de déficit zero neste ano.
Contas públicas têm rombo de quase R$ 250 bilhões
Críticas aos juros altos
O patamar da taxa de juros brasileira, que eleva o volume de despesas com juros, foi criticado durante boa parte do primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva pelo próprio presidente da República, assim como por ministros da área econômica.
As críticas começaram a cessar somente quando o Banco Central, autônomo e com diretores com mandato fixo, iniciou em agosto de 2023 o ciclo de corte de juros.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, argumentou, abril do último ano, que a taxa de juros é alta no Brasil por conta do atual nível de endividamento, e não o contrário.
“Na parte dos juros, a gente não pode confundir causa e efeito. A dívida não e alta porque os juro é alto. É o contrário, o juro é alto porque a dívida é alta. Quando você endividado vai ao banco, e o banco faz uma análise que você é endividado e não paga a dívida, o juro é alto”, declarou ele, na ocasião.
Em junho do ano passado, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, calculou que se a taxa básica de juros estivesse em 10% ao ano, em vez dos 13,75% ao ano que vigoravam naquele momento, a economia nos gastos com juros da dívida pública permitiria o pagamento anual de quase um Bolsa Família. O orçamento do Bolsa Família é de cerca de R$ 170 bilhões por ano.
Gastos com juros
O Banco Central lembra que, dentro das despesas classificadas como “juros” da dívida pública, não estão somente gastos com a Selic propriamente dita.
Isso porque, além da taxa básica da economia, também há outros indexadores que impactam na despesa com juros, como, por exemplo, a inflação. Se a inflação sobe, também aumenta a despesa com juros, e vice-versa.
Além disso, existem ainda operações com derivativos, que o BC executa pontualmente para conter uma eventual pressão sobre a taxa de câmbio. Tendo por base o passivo dessas operações, quando o dólar sobe, o BC perde, e quando a moeda norte-americana cai, ganha. O resultado também é incorporado aos gastos com juros.
Na semana passada, o chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, explicou que, apesar da queda da inflação e do início dos cortes dos juros em agosto de 2023, as despesas com juros subiram porque a taxa Selic começou a recuar mais para o fim do ano.
“Quando a gente for ver a Selic que conta, tem de ver a Selic efetiva. Se tem uma que cresce ao longo do ano, a média vai estar em algum ponto intermediário. Ficou muito tempo parada [em 13,75% ao ano, até agosto de 2023], e depois começou a diminuir. A gente pega a Selic efetiva diária”, disse Fernando Rocha, do BC.
Além disso, ele lembrou que o estoque (volume total) da dívida também estava maior durante o ano de 2023 do que em 2022, pressionando as despesas com juros, e que os ganhos do BC nas operações de derivativos foram menores no último ano.
Organização das Nações Unidas
Nesta semana, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que os países em desenvolvimento enfrentam custos de empréstimos até oito vezes mais altos do que os países desenvolvidos, o que ele classificou como uma “armadilha da dívida”.
“E um em cada três países do mundo está agora em alto risco de uma crise fiscal. Quase metade das pessoas em situação de extrema pobreza vivem em países com graves problemas de endividamento”, acrescentou, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, por meio de rede social.
De acordo com a entidade, cerca de 4️0% dos países em desenvolvimento sofrem com “graves problemas de endividamento”, com dificuldades para financiar o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
“Está claro que os problemas sistêmicos de financiamento para o desenvolvimento sustentável exigem uma solução sistêmica: reformas da arquitetura financeira global”, acrescentou Guterres.
Para a ONU, aumentar o financiamento para o Desenvolvimento Sustentável exigirá “abordagens inovadoras, decisões políticas ousadas e novas fontes de financiamento”.