Mais de 50 especialistas de várias Unidades da Embrapa vão reunir suas expertises para a criação de uma plataforma com dados, funcionalidades e métricas sobre balanço de carbono adaptados aos sistemas agrícolas brasileiros. A iniciativa, conduzida pelo portfólio Mudança Climática, está sendo impulsionada por um aporte financeiro de R$ 20,3 milhões, oriundo de uma emenda parlamentar. O desafio dos cientistas é grandioso: definir, pela primeira vez, parâmetros padronizados de mensuração de emissão e absorção de carbono adaptados às condições de clima tropical.
Esses indicadores têm que ser compatíveis com os princípios de Transparência, Precisão, Completude, Comparabilidade, Consistência (TACCC) adotados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pelas Nações Unidas para o desenvolvimento de Inventários Nacionais de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Inventário Nacional).
Segundo o presidente do Portfólio, o pesquisador Giampaolo Pellegrino, da Embrapa Agricultura Digital, o desenvolvimento de métricas de balanço de carbono e adaptação da agropecuária brasileira atende a uma forte demanda internacional por rastreabilidade nas emissões, ao mesmo tempo em que garante a sustentabilidade da agricultura brasileira, que precisa oferecer respostas embasadas em métricas padronizadas e reconhecidas globalmente. “O projeto prevê o investimento em qualificação de infraestrutura e a formação de uma rede de cooperação em PD&I, que nos possibilite elaborar métodos de medição adequados às condições e ao modelo de produção nacional, a exemplo do que já acontece nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos”, observa Pellegrino.
A expectativa é que os resultados alcançados contribuam para fortalecer a imagem do País, aumentando a competitividade do setor agrícola e seu impacto comercial nos mercados nacional e internacional. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, a agropecuária, mesmo que sob bases sustentáveis, é responsável por cerca de 25% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.
Portanto, é premente que o País invista na construção de um modelo tropical robusto e preciso para mensurar a emissão de GEEs, como explica o pesquisador da Assessoria de Relações Internacionais (Arin) Gustavo Mozzer, que também faz parte do portfólio Mudança Climática. Ele explica que essa necessidade se tornou ainda mais urgente após o Acordo de Paris. No documento, resultante da 21ª Conferência das Partes (COP21), os 195 países estabeleceram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês). O Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 48.4%% até 2025, e em 53.1% até 2030, além de estabelecer um objetivo de longo prazo de neutralidade climática até 2050.
O Acordo de Paris exige ainda que o País passe a reportar a forma de implementação da sua estratégia doméstica no Inventário Nacional, de responsabilidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “Os dados que serão produzidos pelo esforço de tropicalização de métricas de carbono serão estratégicos para a evolução dos métodos utilizados atualmente para estimativa das emissões, na direção da implantação de métodos tropicais”, complementa Mozzer.
Para a presidente Silvia Massruhá, que participou ativamente da aprovação dessa emenda, o projeto é um passo determinante para garantir o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris. Além da NDC, contribuirá também para o relato e verificação do Relatório Bienal de Transparência (BTR) e para o Inventário Nacional. “Trata-se de um processo com necessidade contínua de aperfeiçoamento a partir da integração dos muitos esforços e conhecimentos que a Embrapa possui no tema e o recurso é um passo fundamental nessa agenda, que é absolutamente prioritária em nossa gestão na Empresa”, observa Massruhá, lembrando que a Diretoria-Executiva da Embrapa continuará a buscar recursos para garantir a continuidade das ações de PD&I.
O diretor de Pesquisa e Inovação, Clenio Pillon, destaca que essa iniciativa em rede, que reúne diferentes expertises para o alcance de resultados dentro de um grande tema de atuação vai ao encontro dos objetivos da atual gestão de PD&I da Embrapa, que preconiza a integração e o compartilhamento de conhecimentos entre as UDs. “É uma ação estruturante, que vai muito além da Empresa, e prevê a formação de uma rede de cooperação institucional voltada ao desenvolvimento de um plano de monitoramento e gestão de informação sobre balanço de carbono, sustentabilidade e competitividade da agricultura nacional, diante do cenário global, abrangendo todas as regiões brasileiras”, acrescenta.
Governança corporativa a longo prazo visa alcançar o Tier 3
Pellegrino explica que para o êxito das ações de dinâmica do carbono e adaptação na agricultura brasileira, é fundamental contar com uma rede de especialistas, integrando conhecimentos não apenas na área de PD&I, mas também de comunicação e capacitação.
Segundo ele, trata-se de um projeto de governança corporativa de longo prazo que pretende mudar a forma de mensuração das emissões de carbono no País. Hoje, assim como a maior parte das nações em desenvolvimento, o Brasil utiliza um repertório de métodos baseados no Tier 1 e Tier 2, que são modelos-padrão e modelos gerais baseados em dados de atividade e fatores de emissões nacionais, seguindo as normas para elaboração dos Inventários do IPCC. “Nosso objetivo é caminhar para o Tier 3,, no qual o País utiliza modelos matemáticos desenvolvidos nacionalmente de forma a representar mais adequadamente as emissões de GEE dos nossos sistemas de produção.. Mas, para isso, é necessário o desenvolvimento de arcabouços para aquisição continua de dados nacionais que caracterizem os sistemas de produção típicos das diversas regiões do Pais. Trata-se de um processo de construção e articulações domésticas de estratégias que subsidiarão debates com a comunidade científica e a academia para assegurar o reconhecimento e aceitação do método brasileiro e sua compatibilidade com as normas internacionalmente aceitas para o Inventário Nacional”, pontua.
Pellegrino e Mozzer lembram que a Embrapa tem mais de 15 anos de experiência em pesquisas para medir emissões de carbono. Esse aporte financeiro inicial, associado às novas diretrizes e prioridades estabelecidas pela Diretoria-Executiva, representa um avanço para a iniciativa. Somam-se a isso o amadurecimento no papel das redes de pesquisa no ambiente corporativo e a integração dos dados, conhecimentos e informações por elas gerados.
Eles citam três grandes projetos do passado, cujos resultados contribuem para a iniciativa atual: o Saltus (florestas), a Rede Pecus (pecuária) e o Fluxus Socioeconomia (grãos).
Projeto envolve sete eixos estruturantes O projeto envolve ações estruturantes em sete eixos, considerando a complexidade do tema e o desafio de oferecer soluções a diferentes sistemas produtivos. São eles: 1. Desenvolvimento de plataforma virtual contendo bases de dados, funcionalidades e métricas sobre o balanço de carbono em sistemas agrícolas; 2. Qualificação de infraestrutura de pesquisa para o desenvolvimento de protocolos e representações do balanço de carbono dos principais sistemas agrícolas nacionais; 3. Qualificação de infraestrutura para o aprimoramento de técnicas alternativas, mais acessíveis e escalonáveis voltada à coleta de dados de campo; 4. Qualificação de infraestrutura de pesquisa para a construção de métricas e modelos do balanço de carbono adequados às realidades nacionais; 5. Qualificação de infraestrutura para o monitoramento de risco, adaptação e sustentabilidade da agricultura nacional; 6. Desenvolvimento de plano de monitoramento e manutenção da infraestrutura a médio e longo prazos; 7. Formação de redes de cooperação e transferência de tecnologias. |
Ciência e Parlamento: união de sucesso A aprovação da emenda contou com recursos de três comissões. A maior parte deles é oriunda da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal (R$ 20.100.000,00). Os outros 200 mil vieram da Comissão Mista de Mudanças Climáticas (CMMC), do Congresso Nacional, e da Comissão de Meio Ambiente (CCMA) do Senado, sendo 100 mil de cada uma. Mas, como explica a chefe da Assessoria de Relações Institucionais e Governamentais (Arig), Cynthia Cury, esse é um resultado relevante da articulação direta e intensa entre a Diretoria-Executiva da Embrapa e os gestores de Unidades com Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), iniciada em setembro de 2023, quando o orçamento da Embrapa para 2024 estava para ser votado. Segundo ela, o contexto à época estava extremamente propício para o tema. Além da discussão do Projeto de Lei sobre Mercado de Carbono no Congresso Nacional, foi criada também a Câmara Temática do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a AgroCarbono Sustentável, com o objetivo de reunir os setores público e privado para alavancar o debate sobre políticas públicas que promovam a sustentabilidade do agronegócio brasileiro. “Portanto, muito mais do que o aporte financeiro de mais de R$ 20 milhões, podemos comemorar o que esse projeto representa para a Embrapa e para o Brasil, considerando os impactos positivos para a imagem do agro nacional em nível global”, defende a chefe da Arig. Vale destacar também que os resultados alcançados vão subsidiar tecnicamente políticas públicas relacionadas ao balanço de carbono na agropecuária brasileira. Felipe Cardoso, supervisor de Relacionamento com o Poder Legislativo da Arig, também ressalta a importância de valorizar o diálogo da Embrapa com parlamentares. De acordo em ele, as emendas vêm contribuindo para as pesquisas da Embrapa há muitos anos. “Mas dessa vez há ainda mais motivos para celebrarmos, uma vez que os recursos não beneficiam apenas uma Unidade, mas várias, integradas em um grande tema, que perpassa todas as cadeias produtivas. Essa sinergia em uma área tão estratégica para o País reflete e consolida a importância da união entre a sociedade civil, a ciência e os poderes Executivo e Legislativo”, conclui. |