Mesmo para quem vive em regiões consideradas seu habitat-natural, como é o caso do Pantanal, ver um tatu-canastra é considerado um feito raro.
👉 O animal, que existe apenas em países da América Latina, é solitário, só sai à noite para se alimentar de formigas, e pode chegar a passar três quartos da sua vida em tocas subterrâneas.
Para quem tem a sorte de encontrá-lo, a visão impressiona: é a maior das espécies de tatus, podendo pesar até 60 kg, ter 1,5 metros de comprimento e garras que podem chegar a 20 centímetros no terceiro dedo – as mais longas do reino animal.
Até poucos anos atrás, as informações sobre a espécie eram escassas. Dados sobre comportamento e reprodução, algo considerado básico entre biólogos, tornava o tatu-canastra um mistério.
Foi com a motivação de explorar esse animal praticamente desconhecido pela ciência que, em 2010, o pesquisador Arnaud Desbiez, hoje parte do ICAS (Instituto de Conservação de Animais Silvestres), começou a trabalhar com armadilhas fotográficas no Pantanal.
Isabel, como a batizamos mais tarde, foi o primeiro animal da espécie que conseguimos monitorar. No começo, eu passava noites em claro tentando segui-la a pé, e de manhã procurava pelo buraco de sua toca.
— Arnaud Desbiez, pesquisador
Foi a partir das descobertas feitas com Isabel, o tatu-canastra fêmea que tem hoje aproximadamente 20 anos, que o mundo pode conhecer informações valiosas sobre a espécie.
“Como cientistas, não devemos ter animais prediletos, mas confesso que Isabel é meu tatu favorito. Ela foi nossa professora sobre a espécie. Nos ensinou sobre a movimentação do tatu-canastra, seleção de habitat, características de reprodução… Com ela, temos muitas ‘primeiras descobertas’.”
As descobertas feitas com Isabel
“A Isabel foi o primeiro passo, mas depois os dados foram confirmados, analisados com mais de 40 animais em outros biomas, como Cerrado e Mata Atlântica”, explica Desbiez, descrevendo que as descobertas abaixo – sobre ecologia e biologia de toda uma espécie – não poderiam ser baseadas em um único animal.
Reprodução
Em 2017, o documentário da BBC “Hotel Armadillo: Natural World”, revelou para o mundo as descobertas preciosas dos primeiros sete anos de estudo.
Entre elas, o filme mostra as primeiras imagens de um filhote de tatu-canastra já registradas: Isabel e sua cria durante a noite, capturadas por uma armadilha fotográfica.
“Flagramos Isabel compartilhando uma toca com um macho e cinco meses depois tivemos o registro do primeiro filhote, foi super emocionante”, lembra Desbiez.
Antes, explica o pesquisador, a ciência não sabia a duração da gestação e nem que a fêmea gesta um filhote por vez.
Ao longo dos anos, Desbiez e sua equipe, hoje composta por 20 pessoas, continuaram a encontrar peças para montar o quebra-cabeça de reprodução da espécie.
Nossos estudos mostram que o tatu-canastra atinge a maturidade sexual entre sete e nove anos, e quando a conhecemos, Isabel já tinha reproduzido, algo que confirmamos ao testar uma amostra genética e descobrir um animal que nasceu dela. Com isso, conseguimos estimar a idade dela quando começamos o projeto.
Em 2023, novas imagens de Isabel com um filhote, seu quarto descendente, surpreenderam a equipe, já que mostravam que um tatu com mais de 20 anos pode continuar se reproduzindo.
“A idade máxima de reprodução, até que um animal se reproduza na natureza, é um dado crucial para muitos modelos populacionais. É importante para o cálculo para o tempo de geração e também para categorizar o animal na lista vermelha. Mais uma vez, é Isabel quem traz esse dado para nós.”
Cuidado parental
O trato das mães tatu-canastra com seus filhotes foi outra descoberta importante para a equipe.
“É um animal tão forte e robusto, e quando vemos a delicadeza como ela trata o filhote, não dá para não se emocionar”, diz Desbiez.
Pela observação de diferentes animais da espécie constatou-se que a cada 15 dias, a mãe leva o filhote para um buraco diferente.
“Ela guia o pequeno, que está cego até 50 dias (mais uma coisa que descobrimos com Isabel), até outro buraco, que vai ser mais ou menos 200 metros mais longe”, narra o pesquisador.
Quando as fêmeas saem, fecham seus buracos jogando terra e material vegetal com suas garras afiadas, algo que não fazem quando estão sozinhas.
Com as armadilhas fotográficas que acompanharam Isabel conseguimos compreender tudo nesse passo a passo, quanto tempo ela fica fora para se alimentar, quando volta para amamentar, e os momentos ‘carinhosos’ entre mãe e filhote.