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Amambai
quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Conflitos por preservação e ampliação de terras indígenas preocupam o País

Bandeira em defesa do meio ambiente joga indígenas contra produtores rurais.

O índio precisa de mais terra? Essa é uma pergunta que o conteúdo desse material jornalístico vai abordar, a partir de um fato que está acontecendo lá no Estado do Pará e que vem ganhando as redes sociais com vídeos e depoimentos de moradores não indígenas que estão sendo “obrigados” a deixar suas casas, após uma decisão da Justiça Federal, mais precisamente do ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a desintrusão de sete terras indígenas (TI) ou seja, a expulsão de pessoas não indígenas que morem ou exerçam alguma atividade dentro das TI’s.

Conflitos por preservação e ampliação de terras indígenas preocupam o País
Área de 2,3 milhões de hectares tem 1.500 habitantes indígenas

Dentre essas áreas está a aldeia Raio de Sol, no território indígena denominado Trincheira Bacajá, localizada a 150 km do município paraense de São Felix do Xingu. Outra área que também será alvo da ação é o Território Apyterewa. Juntos, os dois territórios têm uma área de cerca de 2,3 milhões de hectares, onde vivem 1,4 mil indígenas, conforme o censo de 2022, mas a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse recentemente que a população indígena ali chega a 2.400.

Conforme informações que constam do processo de desintrusão, os territórios indígenas foram homologados em 1996 (Bacajá) e 2007 (Apyterewa). As atividades ilegais dentro desse território, conforme consta nos processos judiciais, acontecem há mais de 30 anos, com invasão de fazendeiros, madeireiros e garimpeiros, provocando desmatamento. Desde 2009 o Ministério Público Federal requer a retirada dos não indígenas desses territórios.

Por outro lado, o que a Justiça e muitos veículos de informação nacional identificam como madeireiros, garimpeiros e fazendeiros – que ameaçam os indígenas, destroem o meio ambiente e poluem rios – são brasileiros comuns, produtores rurais que estão ali há 30 anos e formaram a comunidade denominada Vila Renascer, com cerca de 1.000 pessoas, alvo das operações de desintrusão. Fala-se em 3 mil o número de não indígenas vivendo nessa área de 2,3 milhões de hectares, lá no Pará.

Conflitos por preservação e ampliação de terras indígenas preocupam o País
Área com 1,5 mil indígenas (maior) e São Félix do Xingu, com 65 mil habitantes

A questão da terra

Se levarmos em consideração o número de habitantes nessa área de conflito no Pará, entre indígenas (1,4 mil) e não-indígenas (3 mil), a população que vive nos territórios Bacajá e Apyterewa não chega a 5 mil pessoas. Só para se ter uma ideia, a aldeia Amambai tem cerca de 3 mil hectares e uma população próxima de 9 mil habitantes.

O Jornal A Gazeta fez uma análise da situação e abordou o tema com algumas lideranças indígenas de Amambai. Sobre o comparativo de área e população, fica claro que a desigualdade na distribuição das terras indígenas – mesmo considerando os motivos e peculiaridades de cada povo em cada localidade do Brasil – é gigantesca. Enquanto 2,3 milhões de hectares abrigam 1.500 indígenas lá no Pará, aqui em Amambai, a aldeia Amambai, com 3 mil hectares (800 vezes menor) abriga 9 mil índios.

Conflitos por preservação e ampliação de terras indígenas preocupam o País
Área da aldeia Amambai (em vermelho – 3 mil hectares com 9 mil indígenas) e área do perímetro urbano de Amambai (circulada em azul) com cerca de 25 mil moradores

Mas a reflexão não para por aí. Fazendo um comparativo com o tamanho da aldeia Amambai (3 mil hectares e uma população de 9 mil índios) com a área urbana do município de Amambai (cerca de 4 mil hectares, com uma população de cerca de 25 mil habitantes – entre amambaienses natos ou pessoas oriundas de outras regiões do País), conclui-se que, tanto os moradores da aldeia Amambai, quanto os da área urbana da cidade, têm condições de se locomover e viver bem acomodados dentro de seus devidos espaços.

A pergunta é: o problema para melhorar a vida do índio, necessariamente passa por garantir mais extensão de área territorial? Ou ainda: voltar ao período de caça e pesca para garantir a subsistência de suas famílias é o que vai garantir uma vida melhor para essas comunidades? Nesse sentido, a conclusão é de que não é necessariamente esse o problema: a comunidade indígena quer a integração, quer desenvolvimento, quer as mesmas melhorias que a comunidade não indígena vem conquistando ao longo dos anos.

O Jornal A Gazeta conversou com uma indígena, a qual não vamos identificar nesta reportagem, que serve como um exemplo de pensamento. Morando há 12 anos no perímetro urbano de Amambai, ou seja, fora da aldeia, ela diz que não quer voltar para a área indígena. A vida, segundo ela, está melhor hoje na cidade do que na aldeia. “O que a gente quer é conforto, água quente pra tomar banho, água gelada pra beber, energia elétrica, água encanada e internet boa”, diz ela. Ou seja, o mesmo conforto que qualquer cidadão almeja para sua família.

Voz no Congresso Nacional

Conflitos por preservação e ampliação de terras indígenas preocupam o País
Deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) está entre os seis representantes dos povos indígenas na Câmara dos Deputados. Foto: Divulgação

A deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) está entre os seis representantes dos povos indígenas na Câmara dos Deputados. Ela se considera uma defensora de pautas progressistas para os indígenas e acredita que seu povo deve acompanhar a evolução da sociedade.

“Há índios que não querem viver como em 1.500. Alguns mais progressistas querem trazer os povos indígenas para viver no século XXI, podendo se desenvolver economicamente, para mostrarmos que somos tão bons como a sociedade urbana. Mas outro grupo acredita que devemos viver como em 1.500. Isso nos impede de termos cidadania para participar de igual para igual”, diz ela.

Outra deputada federal é a professora ativista indígena, Célia Xakriabá, que foi eleita pelo Psol de Minas Gerais. Sua pauta é a defesa dos territórios indígenas e ações que atenuem as mudanças climáticas. Foi da primeira turma de Educação Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2013.

Além dessas duas, outros três representantes indígenas atuam no Congresso Federal: Juliana Cardoso (PT) de São Paulo, Paulo Guedes (PT) de Minas Gerais e Silvia Waiapi (PL) do Amapá.

Influência das ONGs e a questão climática

A questão indígena defendida por Organizações Não Governamentais e pela linha mais ativista da esquerda, se confunde com as questões ambientais. Na bandeira de defender o meio ambiente e as questões climáticas, essa ideologia defende que o indígena seja preservado na sua cultura antiga, vivendo de forma rudimentar e primitiva, longe da civilização e da tecnologia moderna.

A desintrusão no Pará, na região denominada Trincheira Bocajá e Território Apyterewa, quer tirar cerca de 3 mil moradores não indígenas que estão dentro de uma área de 2,3 milhões de hectares, onde vivem menos de 2 mil indígenas, sob o argumento de proteger o meio ambiente. Mas a quem de fato interessa esse discurso?

O Congresso Nacional instalou a CPI das ONGs, que votou na terça-feira (12) seu relatório final, sugerindo implantação de seis projetos e pedindo indiciamento de representantes de ONGs envolvidos em supostas irregularidades. Entre os projetos, dois deles tratam da regulamentação de atividades econômicas em terras indígenas e do Fundo Amazônia, além de regras de transparência e responsabilização na prestação de contas das ONGs.

Indígenas e agro no mesmo barco

Em que pese a discussão que se criou de que o agronegócio é contra a causa indígena e vice-versa, há de se ressaltar que no Brasil há espaço para todos. Com uma extensão territorial de 851 milhões de hectares, 66% são ocupados por vegetação nativa – sendo que 13% estão em áreas indígenas; as pastagens ocupam 21,2% (sendo 8% nativas e 13,2% plantadas); a produção de grãos, frutas e hortaliças ocupa 7,8%; e ainda outro 1,2% é ocupado por florestas plantadas. Apenas 3,5% do território é ocupado para uso urbano, moradias, lazer, infraestrutura, entre outros (fontes: Embrapa, IBGE, FUNAI, DNIT, ANA, MPOG, de 2019).

Estudo da NASA, publicado em novembro de 2017, mostra que o Brasil protege e preserva a vegetação nativa em mais de 66% do seu território, e que a área cultivada é de 7,6%. O mesmo estudo mostra as áreas de produção em diversos países, como o Reino Unido (que cultiva em 63,9% do seu território), a Alemanha (56,9%), a Dinamarca (76,8%), a Irlanda (74,7%) e os Países Baixos (66,2%); Estados Unidos ocupa 18,3%, a China 17,7%; e a Índia 60,5%.

(Matéria editada pelo Jornal A Gazeta de Amambai – diretor Clesio Ribeiro)

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