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terça-feira, 19 de março de 2024

A missão de resgate mais radical na Antártida

2019-03-19 16:02:00

 

 

"Iceberg"
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Malcolm Roberts estava a milhares de quilômetros do hospital mais próximo quando sofreu uma grave hemorragia gastrointestinal. Uma equipe de médicos poderia chegar a tempo de salvá-lo?

Em abril de 2015, Tim Nutbeam embarcou em um avião carregando uma grande bolsa de sangue para uma missão de resgate na Antártida.

Era o começo do inverno, quando a escuridão e o frio extremo tomam conta do continente gelado. Isso sem falar dos ventos fortes. Devido às condições perigosas, normalmente não há voos programados durante os seis meses que duram essa estação do ano no continente gelado.

Mas Nutbeam, um especialista em medicina de emergência que vivia no Reino Unido, seguiu adiante com sua jornada, acompanhado por um piloto e um técnico.

Sua missão era salvar a vida de um funcionário gravemente doente em uma base na Antártida. Malcolm Roberts, engenheiro da British Antarctic Survey, órgão do governo britânico para a Antártida, havia sofrido uma enorme hemorragia gastrointestinal na Estação de Pesquisa Halley. Ele estava a milhares de quilômetros do hospital mais próximo.

Roberts havia perdido muito sangue, mas sobrevivera às primeiras 24 horas. Se chegassem a tempo, talvez ele conseguisse sobreviver. No entanto, havia muitos desafios que poderiam impedi-los de salvar o paciente.

O voo levaria cerca de 24 horas com uma parada de reabastecimento em Rothera, outra base na Península Antártica. O mesmo tempo seria necessário para a viagem de volta, ou seja, o grupo voaria por 48 horas seguidas. E no retorno, teriam de lidar com uma emergência médica sem praticamente nenhum descanso.

Salvar a vida do paciente já seria um desafio imenso. Além disso, como Nutbeam seria capaz de lidar psicologicamente com a missão?

Série de coincidências

A princípio, ele não estava cotado para viajar. Nutbeam deveria ser o médico substituto. Quando a emergência ocorreu, ele voou para Punta Arenas, uma cidade perto do extremo sul do Chile. O plano era que ele permaneceria ali para ajudar quando o avião pousasse.

Mas quando um vulcão entrou em erupção ao norte de onde ele estava, tudo mudou. O médico-chefe estava esperando por um voo de conexão em Santiago, mas todos foram cancelados. Ao mesmo tempo, houve uma mudança inesperada de tempo na passagem de Drake, a parte do Oceano Antártico situada entre a extremidade da América do Sul e a Antártida, onde a visibilidade é frequentemente fraca. "De repente, percebi que eu faria a viagem", diz Nutbeam.

Nutbeam admite que tudo aconteceu tão rapidamente que não pensou muito sobre os perigos envolvidos na missão. Em vez disso, diz que ficou.

 

"Antártida"Direito de imagemTIM NUTBEAM
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Salvar a vida do paciente já seria um desafio imenso. Além disso, como Nutbeam seria capaz de lidar psicologicamente com a missão?

Personalidades extremas

Remoções médicas durante o inverno antártico já aconteceram. Em 2016, um funcionário doente foi retirado de helicóptero do Polo Sul no meio do inverno – quando havia 24 horas de escuridão. Seis anos antes, um outro resgate de pacientes ocorreu na principal base de pesquisa dos EUA na Antártida.

De acordo com Nathan Smith, pesquisador de psicologia da Universidade de Manchester, no Reino Unido, quem participa de expedições radicais fica normalmente empolgado pela oportunidade de fazer algo que muita gente não faz.

"Essas pessoas são, na maioria das vezes, muito bem treinadas. Assim, se trata de uma oportunidade para que elas testem suas habilidades e desempenhem uma tarefa que nunca desempenharam antes", diz ele.

Certos tipos de personalidade são capazes de lidar melhor com o estresse de expedições extremas. Pesquisas mostraram que pessoas menos nervosas apresentam melhor performance. "O que vemos é que as pessoas em funções de alto risco não ficam ansiosas com facilidade e quando ficam, são capazes de controlar isso muito bem", diz Smith.

A cautela também tem um papel fundamental. Isso vai contra a noção comum de que pessoas que participam de atividades extremas são viciadas em adrenalina.

"O que descobrimos é que essas pessoas normalmente gastam muito tempo analisando os riscos", diz Smith. "Elas se esforçam ao máximo para evitar uma descarga de adrenalina, porque sabem que isso representa uma ameaça ao seu bem-estar e ao de toda equipe."

Nutbeam e sua equipe tiveram de ser diligentes para lidar com os desafios que enfrentaram durante a longa jornada. A todo momento, o médico precisou monitorar, por exemplo, a temperatura da bolsa de sangue, garantindo que ela permanecesse dentro do padrão recomendado.

A parte dianteira do avião, na qual a equipe se aglomerava, estava aquecida, mas fazia -10 °C na parte de trás. "Tive de tentar encontrar um ponto ideal para colocar o sangue e verificá-lo a cada hora", recorda ele.

 

"TimDireito de imagemTIM NUTBEAM
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Tendo recuperado o paciente da base antártica, a equipe teve uma jornada épica até o hospital mais próximo

O grupo aterrissou em Halley no início da madrugada e teve cerca de uma hora e meia para colocar Roberts dentro do avião antes que ficasse escuro demais para decolar novamente. A sensação térmica era de -30 °C.

Nutbeam foi de snowmobile até a estação, onde realizou com sucesso o que se pensava ser a primeira transfusão de sangue da Antártida. Em seguida, transferiu Roberts para o avião. Enquanto isso, o técnico mantinha os motores do avião ligados, já que, se esfriassem demais, não voltariam a funcionar.

Nutbeam diz que nada foi meticulosamente planejado devido às circunstâncias imprevisíveis. Sua estratégia era improvisar.

Depois de conversar com expedicionários, Smith e seus colegas descobriram que o planejamento excessivo era menos importante do que ter confiança nas habilidades de alguém.

"Então, tudo se resume a ser flexível e adaptável. Ser capaz de se ajustar à situação na medida em que ela se desenrola", diz ele. "Há muitas coisas que você não pode controlar, portanto, aceitar esse fato é realmente importante", acrescenta.

Privação de sono

Mesmo uma combinação de experiência, cautela e confiança poderiam não ser suficientes para compensar o maior desafio: a extrema privação de sono. Nutbeam diz que dormiu por cerca de quatro horas durante a missão. "Não estava funcionando como humano", acrescenta ele.

Os micro-sonos – episódios temporários de sono ou sonolência que podem durar uma fração de segundo ou até 30 segundos – podem ajudar o corpo a se recuperar.

"O cérebro encontra maneiras de recuperar o sono dessa forma, se você não conseguir dormir suficientemente", diz Hans Van Dongen, diretor do Centro de Pesquisas de Sono e Performance da Universidade Estadual de Washington, nos EUA.

No entanto, os micro-sonos causam lapsos na atenção que afetam o desempenho – se eles ocorrem ao volante, muitas vezes resultam em acidentes de carro, por exemplo.

Durante o longo voo de volta ao Chile, Nutbeam estava tão cansado que teve dificuldade de lembrar fundamentos básicos da medicina e tomar decisões.

Isso representava um risco substancial, dado que a condição de Roberts exigia monitoramento constante e escolhas importantes. Nos arredores de Rothera, por exemplo, eles precisaram voar alto para cruzar as montanhas que se localizavam logo abaixo. Roberts, no entanto, tinha um baixo volume de sangue circulando devido a seu sangramento, o que afetava quanto tempo ele podia tolerar em altas altitudes sem a necessidade de receber mais sangue.

"Precisava tomar uma decisão sobre o que fazer e simplesmente não conseguia", diz Nutbeam – uma sensação estranha para ele. "Normalmente, sou bastante pragmático e não titubeio em minhas decisões."

O sono também desempenha um papel importante na regulação das emoções e pode afetar o humor: os centros emocionais do cérebro estão menos conectados quando uma pessoa não descansa o suficiente; por isso, é mais difícil controlar os próprios sentimentos. Como resultado, pessoas privadas de sono podem ficar excessivamente mal-humoradas ou tontas, diz Von Dongen.

Se não bastassem esses desafios, Roberts sofreu um derrame durante o voo. Nutbeam decidiu dar-lhe mais sangue, assim como medicação para estabilizá-lo. "Me lembro de me sentir emocionalmente sobrecarregado", diz Nutbeam. "Ele deve ter se sentido muito mal, mas aguentou firme."

Entender os efeitos da perda de sono pode ajudar as pessoas a lidar com ela, diz Smith. "As pessoas podem se preparar e pensar como isso molda sua tomada de decisões", diz ele.

Nutbeam, por exemplo, diz que tinha consciência de que é muito menos tolerante quando está cansado, o que pode ter ajudado no processo.

Trabalho em equipe

Nutbeam também teve a sorte de contar com o apoio de uma equipe dedicada, que ajudou a manter sua mente privada de sono sob controle. Além da equipe a bordo do avião, havia uma rede de suporte remoto vigiando de perto sua missão.

Durante as escalas, quando conseguiam se comunicar, os colegas que estavam em terra firme informavam a equipe das condições climáticas para facilitar a tomada de decisões.

Nutbeam também teve reuniões regulares com seu chefe no Reino Unido sobre o tratamento e o que fazer em várias circunstâncias.

Quando o avião pousou em Rothera, por exemplo, Roberts teve outra hemorragia gastrointestinal. Havia um médico lá para ajudar. Mas Nutbeam não queria abandonar Roberts, mesmo estando exausto.

Um telefonema de sua chefe no Reino Unido colocou as coisas em ordem. Ela lhe disse para deixar o médico local assumir suas funções para que ele pudesse dormir um pouco: afinal, Nutbeam era o único que poderia cuidar de Roberts durante o restante do voo.

"Foi o melhor conselho do mundo", diz Nutbeam. "Caso contrário, acho que teria ficado com ele e estaria ainda mais cansado e psicologicamente esgotado para a parte final da jornada."

Situações tensas podem ser mais fáceis de lidar quando há outras pessoas por perto. "Estar em um ambiente perigoso, cercado por pessoas competentes que o apoiam, é uma boa maneira de aliviar o estresse", diz Smith.

Mas tudo depende da dinâmica da equipe: se as pessoas não conseguem trabalhar bem juntas, isso pode ter um impacto negativo no funcionamento do grupo. Traços de personalidade – em particular a amabilidade – podem frequentemente determinar quem sabe trabalhar em equipe.

"As pessoas que têm de trabalhar em pequenos grupos em ambientes de risco tendem a ser boas em lidar com as pessoas", diz Smith. "Elas são boas em se comunicar de forma eficaz e manter o grupo trabalhando."

Fim da missão

Após o voo final de Rothera, o avião pousou em Punta Arenas, no Chile. Roberts foi transferido para um hospital onde foi tratado com sucesso. Mas Nutbeam não sentia como se a missão tivesse acabado.

"Realmente, não queria abandonar Malcolm", diz ele. "Queria ir com ele para o hospital, embora provavelmente não conseguisse terminar uma frase [de tanto cansaço]".

Integrantes de expedições costumam ter reação semelhante quando retornam de missões de alto risco. Depois de ter vivido uma intensa experiência juntos, há um sentimento de empatia entre eles, diz Smith.

Também pode ser difícil conversar sobre o que aconteceu com quem não estava presente. Sendo assim, a tendência natural é acabar falando com outras pessoas que já passaram pela mesma experiência.

Nutbeam conseguiu visitar Roberts com frequência no hospital. Havia uma reunião diária sobre a recuperação do paciente, o que ajudou o médico a dar por encerrado seu trabalho.

De acordo com Smith, as pessoas costumam refletir sobre o que aconteceu e o que poderia ter acontecido durante três semanas. Depois de desempenhar um papel tão importante em uma missão, elas podem se sentir sem rumo, mas encontrar algo significativo para fazer pode facilitar a transição.

"Escrever um relatório ou narrar sua experiência em uma história é realmente útil psicologicamente", diz Smith.

Novos tipos de treinamento também podem ajudar. Pessoas que trabalham em ambientes extremos, como astronautas ou militares, fazem muitas simulações para se preparar. Mas, de acordo com Smith, é raro que haja um treinamento que se concentre nos aspectos psicológicos de uma missão. "Há muito que pode ser feito para ensinar às pessoas estratégias para lidar com esses ambientes."

De certo modo, o resgate foi apenas uma versão mais extrema do que os médicos que trabalham em emergências enfrentam todos os dias.

Como estratégia, Nutbeam recomenda ensaiar mentalmente os eventos de antemão, com a mente bem descansada. "Isso pode preparar sua mente para a privação de sono", diz ele.

Depois de muito refletir, Nutbeam não está convencido de que participaria da missão novamente. Ele se preparou mentalmente para ser o médico substituto, por isso não analisou os riscos envolvidos. Agora, percebe que havia uma possibilidade significativa de que o grupo ficasse preso ou corresse risco de morte.

"É bom refletir sobre um resgate bem sucedido, mas há uma necessidade de se considerar também que ele poderia ter dado errado e se o risco foi justificado", diz ele.

"Ainda não tenho uma opinião formada sobre isso."

 

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