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quinta-feira, 28 de março de 2024

Palmatória ainda é legal em escolas de 19 Estados americanos

2019-03-25 11:02:00

Quando a americana Ayanna Smith foi buscar seu filho, Jalijah, na escola, em uma tarde de 2016, foi informada de que o menino, então com 5 anos de idade, havia sido "acusado" por um coleguinha de mostrar a língua para a professora. Sua surpresa aumentou ao descobrir como a escola resolveu o problema: aplicando golpes de palmatória nas nádegas do menino.

"A professora não viu se ele havia mesmo mostrado a língua, apenas acreditou no que outra criança disse", diz Smith à BBC News Brasil. "Ela chamou outro professor, autorizado pela escola a disciplinar estudantes com castigos corporais. Em vez de investigar o que houve ou de me contatar, ele levou meu filho para outra sala e o espancou."

A revolta de Smith foi agravada pelo fato de que ela havia comunicado à escola, localizada em DeSoto, cidade de 53 mil habitantes no Estado do Texas, que não autorizava que o filho fosse disciplinado com punição corporal. "Preenchi o formulário enviado pela escola pedindo permissão dos pais e marquei minha opção", ressalta.

Smith tirou o filho da escola e o educou em casa por quatro meses, até o início do ano letivo seguinte. "Na época, ele ficou com medo de ir à escola", lembra. "Hoje, ele tem 8 anos de idade e estuda em uma escola diferente, mas ainda não consegue confiar nos professores."

Muitos americanos se surpreendem ao descobrirem que estudantes em várias partes do país ainda são submetidos à palmatória e outros tipos de castigos físicos. Afinal, esse tipo de punição já foi banido há décadas na maioria dos países e, mesmo nos Estados Unidos, é proibido em quase todas instituições públicas, como centros de treinamento militar, prisões e até mesmo como sentença para criminosos.

Mas a prática é permitida por lei em escolas públicas de 19 dos 50 Estados americanos, compreendendo alunos desde a pré-escola até o 12º ano (equivalente ao último ano do ensino médio no Brasil). Nas escolas particulares, o alcance é ainda maior, com permissão em 48 Estados – somente Nova Jersey e Iowa proíbem.

Cada Estado dos EUA tem suas próprias regras

O tipo mais comum de castigo é a aplicação de golpes de palmatória nas nádegas, mas há também relatos de espancamento com outros objetos, como cintos ou réguas. Cada Estado tem suas próprias regras, que incluem detalhes como o tipo de palmatória usada, o número máximo de golpes e o grau de força permitidos.

A palmatória é feita de madeira e tem tamanho variado, geralmente em torno de 40 cm de comprimento e de 5 cm a 10 cm de largura. Algumas têm buracos para aumentar a velocidade do golpe e a dor. Os golpes são aplicados por um professor, diretor ou outro funcionário autorizado. Certas escolas exigem a presença de uma testemunha adulta.

Apesar de o departamento federal de Educação recomendar que o castigo seja proporcional ao comportamento, não há controle sobre sua aplicação. Desde casos mais sérios, como brigas, até pequenas infrações, como mascar chiclete, conversar em aula, ir ao banheiro sem permissão ou chegar atrasado, podem levar a essa punição.

Muitas vezes os estudantes podem escolher entre a palmatória ou outro tipo de punição, como suspensão ou notas mais baixas. Dependendo do distrito escolar, os pais podem se recusar a permitir que seus filhos recebam castigos físicos.

Em alguns casos, como na escola de Jalijah, os pais precisam preencher um formulário indicando se permitem ou não. Em outros, os castigos são norma, e os pais que se opuserem precisam tomar a iniciativa de enviar uma carta à escola. Há ainda distritos em que, caso o estudante cometa uma infração, os pais são consultados antes que o castigo seja administrado.

Mas, assim como ocorreu com Smith, não é incomum que a vontade dos pais seja ignorada. Nesses casos, como a lei garante proteção à escola e aos funcionários envolvidos, os pais têm poucos recursos para contestar, mesmo quando o aluno sofre ferimentos.

Quase 110 mil alunos punidos

É difícil encontrar números precisos, já que muitos incidentes não são relatados, mas segundo o Departamento de Educação dos Estados Unidos, quase 110 mil alunos de escolas públicas receberam castigos físicos no ano letivo de 2013-2014. O número é bem menor do que os mais de 342 mil registrados em 2000-2001, e vem caindo gradualmente.

Mesmo nos Estados em que é permitida por lei, a prática já deixou de ser usada por vários distritos escolares. Um exemplo é a Carolina do Norte, onde já foi banida de todos os 115 distritos, apesar de ainda ser oficialmente legal. Neste mês, foi apresentado um projeto para modificar a lei, o que consolidaria a proibição e tornaria o Estado o 32º a abolir esta forma de punição.

Mas, nos locais em que o uso de punição corporal nas escolas persiste, especialmente no sul do país e em comunidades rurais, tentativas de alterar as leis costumam ser recebidas com resistência.

"É tradicional há muitos anos nessas comunidades, é difícil para os moradores abandonarem as tradições", diz à BBC News Brasil o deputado estadual republicano Steve Riley, de Kentucky, autor de uma proposta para proibir castigos físicos nas escolas públicas do Estado.

Riley destaca que somente 17 dos 173 distritos escolares de Kentucky, predominantemente em zonas rurais, ainda permitem a prática. Mesmo assim, sua proposta acabou nem indo à votação. Dois projetos semelhantes já haviam sido apresentados em 2018 e 2017, também sem sucesso.

"A maior parte da resistência vem daqueles que acreditam que isso deve ser uma decisão local, sem interferência do governo estadual", afirma Riley, que atuou por mais de 30 anos como professor e diretor de escola e pretende reapresentar a proposta no próximo ano.

"Castigo físico não muda comportamento, é simplesmente punição. Não acho que seja eficaz. Adultos não deveriam espancar estudantes na escola. Não é bom para ninguém", afirma.

Castigos físicos já foram amplamente aceitos nos EUA

"PalmatóriaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA palmatória é feita de madeira e tem tamanho variável, geralmente em torno de 40 cm de comprimento e de 5 cm a 10 cm de largura

Durante séculos, o uso de castigos físicos para disciplinar estudantes foi amplamente aceito nos Estados Unidos. Em 1867, New Jersey foi o primeiro Estado a proibir a prática em escolas públicas. Mas somente em 1971, mais de cem anos depois, um segundo Estado, Massachusetts, seguiu o exemplo.

Em 1977, a discussão chegou à Suprema Corte, a mais alta instância da Justiça americana, que decidiu que o uso de castigos físicos nas escolas era constitucional. Nas décadas seguintes, muitos Estados baniram a prática de suas instituições de ensino públicas.

Hoje, o uso de castigos físicos em escolas públicas é considerado ilegal em 31 Estados e no Distrito de Columbia, onde fica a capital americana, Washington. Mas, desde 2011, quando o Novo México adotou a proibição, nenhum outro Estado conseguiu mudar sua lei. Várias tentativas recentes de aprovar uma proibição em nível federal também não foram adiante.

Com isso, os Estados Unidos estão atrás da maioria dos países desenvolvidos. Segundo a organização Global Initiative to End All Corporal Punishment of Children (Iniciativa Global para Acabar com Toda Punição Corporal de Crianças, em tradução livre), 131 países proíbem completamente o uso de castigo físico nas escolas.

Em outros 68, a proibição em escolas não existe ou não é total, como no caso americano. Em 54 países, entre eles o Brasil, a proibição se aplica a qualquer local, inclusive em casa.

"O conceito de disciplina física está profundamente arraigado na nossa cultura e História", diz à BBC News Brasil o especialista prevenção de abusos de crianças Victor Vieth, fundador do National Child Protection Training Center (Centro Nacional de Treinamento para Proteção de Crianças, em tradução livre) e diretor de Educação e Pesquisa do Zero Abuse Project (Projeto Abuso Zero, em tradução livre).

"Também acho que a religião tem um papel importante. Os Estados em que castigo físico em escolas ainda é legal tendem a ser mais religiosos e mais conservadores", observa.

Especialistas dizem que castigo físico pode piorar comportamento do aluno

Muitos especialistas afirmam que a aplicação de castigos físicos nas escolas não ajuda a melhorar comportamento ou desempenho acadêmico e costuma ter impacto negativo em ambas as áreas, além de reduzir a confiança entre professores e alunos e poder causar ferimentos. Nos Estados Unidos, várias organizações religiosas, de saúde e educação se opõem à prática.

A Associação Americana de Psicologia diz que castigos corporais podem levar a comportamento antissocial, agressividade e problemas de saúde mental nas crianças. A Academia Americana de Pediatria diz que a prática é ineficaz e prejudicial e pode gerar um círculo vicioso de comportamento cada vez pior e punições cada vez mais severas.

A Associação Médica Americana, maior associação de médicos do país, a United Methodist Church (Igreja Metodista Unida, terceira maior denominação cristã do país, e a Associação Nacional de Diretores de Escolas Secundárias também estão entre as organizações oficialmente contrárias à prática.

Críticos afirmam ainda que castigos físicos violam os direitos humanos das crianças. Além disso, vários estudos indicam que, nas escolas americanas, afetam desproporcionalmente estudantes negros e portadores de alguma deficiência, dificuldade de aprendizado, autismo ou em cadeira de rodas.

Apesar das críticas, há pais e professores que ainda consideram os castigos físicos uma boa maneira de disciplinar os estudantes, acreditam que não faz mal em moderação e consideram preferível a outras alternativas, como suspensão.

Mas a prática vem perdendo espaço. Em 2016, um estudo do professor de economia Dick Startz, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, revelou que apenas sete Estados (Mississippi, Texas, Alabama, Arkansas, Georgia, Tennessee e Oklahoma) respondem por 80% dos casos de punição corporal em escolas públicas americanas.

"A maioria dos pais e mães mais jovens se opõe ao uso de castigos físicos", diz Vieth. "Acredito que a maioria dos americanos são contra castigos físicos na escola, mesmo que apoiem dentro de casa. A prática está em declínio."

 

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